Capítulo Sete
A voz do Pai
Talvez agora seu coração esteja apertado, tentando encontrar sentido para tudo o que leu. Antes de continuar, quero te pedir uma coisa, se o seu marido está por perto, chama ele e o convide pra ler essa parte com você. Não espere que ele entenda tudo, mas compreenda que o silêncio de um pai também carrega uma dor que o mundo raramente vê.
Esse espaço é meu. É o espaço de um pai que quase conheceu o filho. De um marido, que viu a mulher que ama, sendo atravessada por uma dor que não tem nome. E é, acima de tudo, o espaço de um homem que só ficou de pé porque Jesus o sustentou com as próprias mãos.
Se você é pai e está lendo isso, eu não estou aqui para te ensinar nada, apenas quero dividir o que vivi. Porque talvez, no meio da sua dor silenciosa, você precise se ver nas palavras de outro homem, que também gritou por dentro, e não foi ouvido. Que também segurou a mão da esposa enquanto sua alma despedaçada. Que também achou que não ia aguentar, mas aguentou. Por amor. Por fé. Por promessa.
E se você é mãe, eu quero te lembrar de algo: esse homem que está ao seu lado também está em luto. Mas que, muitas vezes, não teve espaço para falar. Talvez ele tenha escondido o choro, engolido a dor, calado o medo… mas ele sente, só não sabe como demonstrar. Essa leitura juntos é uma chance de vocês se reencontrarem no meio do que foi perdido.
A partir daqui, eu quero abrir o meu coração. Te contar como foi, de verdade. Sem filtro. Sem super-homem. Só eu, Thiago, pai do Levi.
A caminho da maternidade, meu coração batia diferente, não era nervosismo, era expectativa. Era amor em forma de ansiedade. O carro estava carregado com as malas, com a cadeirinha, e os sonhos... tudo pronto. Eu ficava olhando pra Karine e dizia: “Tá chegando a hora. O nosso Levi tá vindo.” Eu realmente acreditava que aquele seria o dia mais feliz da nossa vida.
Ao chegarmos no hospital, a Karine foi levada para uma sala, onde iriam monitorar os batimentos do nosso filho. Eu fiquei do lado de fora com meu pai. Esperando. Orando em silêncio. Assim que ela voltou acompanhada de algumas enfermeiras, eu percebi que algo não estava certo. Disseram que o bebê estava “muito para baixo” e que, por isso, não estavam conseguindo encontrar os batimentos. Falaram com uma leveza estranha, como se fosse algo comum, e a levaram para o ultrassom.
Acompanhei a Karine até a sala. Entrei junto. E ali, naquela sala, a médica olhou para a tela e disse: “Não tem mais batimento.”
Nesse momento, foi como se o tempo tivesse parado. Meu corpo ficou ali, mas minha alma despencou. Eu olhava para a tela, esperando que ela dissesse que tinha se enganado, que era só um susto. Mas não. Nada. Nenhum som. Nenhuma vida.
Nos levaram para uma sala reservada, como se o silêncio ali fosse menos cruel. Eu olhei para a Karine, ela olhou pra mim… e nós sabíamos. Mas mesmo sabendo, meu coração não aceitou. Me ajoelhei ao lado da minha esposa e comecei a orar. Alto.
Desesperado. Clamando. “Deus, faz como o Senhor fez com Lázaro. Sopra vida de novo. Ressuscita o meu filho!”
Eu tinha lido essa passagem dias antes, naquela hora ela se tornou a única coisa que conseguia lembrar. O mundo desabava ao meu redor, mas eu me agarrarei à esperança, de que Deus ainda podia fazer um milagre. de que Deus ainda podia mudar o final, de que Deus ainda podia trazer de volta o que eu mais amava.
Eu não entendia. Nenhuma das minhas orações pareciam suficientes. Eu clamava, pedia, chorava, acreditava. Mas nada mudou. Era como se o céu estivesse em silêncio, e dentro de mim, tudo estivesse gritando. Confiar que Deus estava no controle não foi algo imediato. Não foi fácil. Não foi automático. Eu sei que muita gente espera que sejamos quem diz: “Deus sabe o que faz” logo de cara… mas, sinceramente? Eu não conseguia. A dor era maior que as palavras prontas. Eu sou homem, mas também sou filho. Também sou pai. Também sou carne.
É importante dizer isso: está tudo bem não entender. Está tudo bem ter dias confusos. Está tudo bem questionar. A fé também passa por vales. E naquele vale, nasceu um outro Thiago, uma versão minha que eu nunca tinha visto. Uma versão que aprendeu que confiar, às vezes, é continuar andando mesmo sem entender, e foi o que eu fiz.
Pouco tempo depois, o médico entrou na sala e nos informou que seria necessário fazer um parto normal. Explicou que isso ajudaria na recuperação da Karine e aumentaria as chances de uma nova gravidez. Eu só conseguia pensar: "Como é que sobreviveríamos a isso?" Mas ali, com a voz embargada, eu disse: “A gente vai junto.”
Fomos para a sala de parto, onde o parto da Karine foi induzido, e eu fiquei o tempo todo ao lado dela. De mãos dadas. Em pé. Firme. Mas por dentro… destruído. Ela me pediu para não olhar nada, e eu respeitei. Apenas queria que ela se sentisse segura. Meu olhar fixou nos olhos dela. E ali, entre as contrações e as lágrimas, eu entendi: eu não podia baixar a guarda. Aquilo era guerra. E eu precisava lutar pela minha família como nunca antes.
Essa versão de mim eu não conhecia, mas Deus já conhecia e era Ele quem estava me empurrando pra frente. Era Ele quem estava me dizendo: “Não solta. Vai até o fim.”
As crises de pânico começaram a tomar conta da Karine. Eu vi os enfermeiros correndo, entrando com seringas, aplicando remédio direto na veia. Os batimentos dela chegaram a passar de 200, o que era risco de ataque cardíaco. Eu não sabia mais se chorava pelo filho que eu havia perdido ou pelo medo de perder a mulher da minha vida.
Foi ali que minha oração mudou. Eu parei de pedir e comecei a confiar. Porque, naquele momento, já não estava nas minhas mãos. Mas, mesmo sem entender, algo dentro de mim sabia: Deus ainda estava ali.
O parto foi finalizado, e levaram o meu Levi para outro lugar. A Karine já tinha me pedido pra não ver nada. Então, fiquei ao lado dela o tempo todo, como prometi. Ela como estava dopada de remédio, aos poucos adormeceu. Eu, por outro lado, mesmo completamente esgotado, não consegui fechar os olhos.
A madrugada foi longa e pesada. Eu só conseguia olhar pra ela ali deitada, com aquele semblante que misturava dor, cansaço e uma paz que só o sono forçado consegue trazer. Eu acariciava o braço dela, ajeitava o cobertor, observava sua respiração. Quando o dia começou a clarear, foi uma das partes mais tensas de tudo. A equipe médica se retirou da sala. Ficamos só nós dois… eu, Karine dormindo ao meu lado e duas enfermeiras em silêncio no canto da sala. Foi quando eu ouvi o choro de um bebê na sala ao lado. Depois, mais um, e mais um. E ali, no meio daquele som que normalmente é símbolo de vida, eu quebrei por dentro. Porque o único choro que eu queria ouvir… não veio, eu não ouvi…
Naquele instante, tudo o que eu mais desejava no mundo era ouvir o choro do meu filho.
Vejo tantas famílias reclamando de ter que acordar de madrugada, de que filho dá trabalho, de que é cansativo, que gasta muito, que não deixa a casa limpa. Mas ali, naquele hospital, eu daria tudo, absolutamente tudo, pra ouvir o meu filho chorando só uma vez.
Eu só conseguia orar, baixinho, entre os soluços. Ouvia os choros dos outros bebês e orava. Quando olhei de novo para Karine, dormindo, ainda sob efeito dos remédios, algo em mim não aguentou,e eu desabei. Chorei como nunca havia chorado na vida. Não era um choro contido, era um choro de alma. Aquilo que ficou guardado, enquanto eu tentava ser forte por ela, saiu como avalanche.
Entre um soluço e outro, ela chegou a acordar, meio confusa, tentando entender o que estava acontecendo. E eu só conseguia dizer com a voz trêmula: “Tá tudo bem, vida… dorme, tá tudo bem. Eu tô aqui. Não vou sair do seu lado.”. E eu não saí.
Depois daquele dia, eu entendi, com o coração sangrando, o que significa ser homem segundo Cristo. Não é sobre ser invencível. Mas é sobre ser presente, sobre liderar com amor mesmo quando não se tem respostas, sobre continuar firme quando tudo ao redor está desabando.
O luto me mostrou que o homem não foi chamado apenas para prover, mas para proteger, sustentar e guiar a família no meio do deserto. Não com fórmulas prontas, mas com a presença. E presença tem peso. É olhar no olho e dizer: “A gente vai passar por isso. Eu tô aqui. Eu não vou soltar a sua mão.”
Nos dias que se passaram, eu acordei com a sensação de que o tempo tinha parado. E, mesmo assim, levantei da cama todos os dias. Não porque eu era forte. Mas porque Deus me sustentava. Enquanto a Karine chorava no quarto, eu orava em silêncio na sala. Quando ela dormia, eu profetizava para mim mesmo, pra lembrar que aquilo não era o fim. E quando ela acordava, eu fingia que estava tudo bem, mas não estava. Só que era o que eu tinha pra dar. Os primeiros dias em casa foram duros. O quartinho fechado. A casa silenciosa. O leite querendo vir. Os enfeites de maternidade, que nós não tivemos a coragem de desfazer. Eu tentei ser abrigo, tentei ser firme, mas também fui fraco, e entendi que tudo isso faz parte.
Não foi um milagre imediato que me curou. Foi a mão de Deus todos os dias, me empurrando um pouco mais. Foi entender que o meu papel como homem não é resolver tudo, mas é permanecer. E eu permaneci, mesmo sem entender, mesmo em silêncio, mesmo quebrado.
O chamado do homem é ser alicerce. E alicerce não se vê, pois está embaixo, sustentando tudo, mesmo que ninguém repare. E, naquele momento da nossa história, era isso que eu era: o alicerce escondido sustentado por Cristo.
Hoje, olhando pra trás, eu vejo que não foi só o Levi que nasceu e partiu. Nasceu também um novo Thiago. Um homem que entendeu que liderar uma casa não é mandar, é servir. Que proteger não é gritar, é abraçar. Que amar não é controlar, é sacrificar. Foi no silêncio da dor que eu ouvi a voz de Deus mais claramente, e ela dizia: “Filho, eu estou te moldando. Isso tudo tem propósito. Você não perdeu, você está sendo preparado.” E eu continuo sendo.
Eu não escrevi tudo isso porque superei. Escrevo porque permaneci. O luto não some, a saudade não passa... mas a presença de Deus é constante. E foi essa presença que me fez seguir. Um passo de cada vez, um dia de cada vez, aprendendo a ser homem, marido e pai, mesmo sem ter meu filho nos braços.
Se você é pai e está lendo isso, quero que saiba: sua dor é válida. Sua luta tem valor. E seu silêncio não precisa ser para sempre.
Deus vê você e Ele está com você.
A tristeza não é o fim da história, mas uma pagina que nos prepara para a superação